Sou-o tanto que de tanto ser, nada sou. Arrebatador, vem mais um dia em que desejo ordinariamente uma vida diferente. (Sou louca, certamente). Anseio viver a liberdade intolerante de agir de novo a cada segundo, inconsciente e consciente disso. Quero poder e ter e vencer o mundo haja o que houver. Rogo pela minha alienação e por ter o meu ser de volta, por rir alucinada e perpetuar cada instante de destempero até ser desapaixonada ao ponto de te usar e te consumir e te deixar cair por terra, moribundo e sôfrego de mim. Sou, agora fria, lobo ferido. Fito gélida com olhos de chama tudo que ameace (que ouse sequer transpor até ao meu tom adocicado). Ávida de soltar as garras sedentas de gozo e de gosto desejava não ter limites e ter de moral só a imoralidade. Buscar incessantemente a fortuna de te ter e de não ter coisa nenhuma, de ser contradição de mim e feliz de o ser no conforto de ser amada e odiada, vil e libertina. Desamarrar um grito de prazer por ter de meu mais que aquilo que reclamo e por ser vã sem me desprezar. Ousar o momento por ser segura de que não faz parte de mim e ser e crer e querer uma satisfação raivosa. Oxalá esta frieza não fosse doçura.

Um nada de ti



Identifico os primeiros acordes dessa melodia que me sussurravas nos momentos em que um muito não era afinal mais que um nada de ti. Trespassa-me, inconsciente, uma nostalgia que me faz querer-te de novo, que apaga todas as palavras ditas e as que ficaram por dizer e me traz, nítida, a memória do teu enlaço. Esse instante cessou e, de volta, acho a mágoa que (ainda) nos une. Chegaste tão efusivamente quanto partiste e deixaste latente a paixão que, sem limite e sem razão, abraçámos nesses tórridos dias em que a tua voz era a banda sonora dos meus devaneios e eu caminhava sem temer o logo, o depois e o amanhã. A tua segurança conquistava o meu render e o meu respirar sossegava o teu anseio. Quando os teus braços encontravam o meu corpo e os olhares sorriam cúmplices, os nossos lábios,unos, exultavam e a minha presença era para ti uma dádiva.

A paixão cessou quando cessou o sol. Só achamos certezas quando encontramos dúvidas.