O tempo leva expectativas, destrói ilusões. O tempo traz esperança e constrói sonhos. Sempre assim. Mas por vezes resignamo-nos tanto aos problemas que se nos defrontam que nem nos apercebemos que a vida não tem retorno e cada segundo que passa, é um segundo que perdemos sem sorrir. Sou a ingénua menina que depois de tudo o que veio e de tudo o que virá continuará sempre a julgar possível habitar um oásis terreno onde as mais duras realidades chegam tal qual a subtileza de um beijo e as relações humanas se edificam e subsistem sem qualquer laivo de ódio ou falta de afecto.
Temo desmesuradamente o desconhecido, tremo sequer quando penso em enfrentar o que não conheco mas persigo-o, dou um passo em frente mesmo que as pernas tremam, que o coração bata mais depressa e o suor invada o rosto receoso. Brinco com este medo: fecho os olhos com força, trinco o lábio e cravo as unhas com o ânimo de que mais uma vez irei ser capaz. Entrego todas as partes de mim a tudo o que leva meu nome, sou plena até no mais ténue olhar e no mais fugaz toque. Quando perco, perco tudo. Resta renascer. Que arrisco demais? Sim. Que me dou demais? Sem dúvida.
Mas que era a vida se não fosse um jogo?
Hoje, mais uma vez, vou parar e olhar para dentro de mim e contemplar-me naquele gesto que para outros é presunção e para mim não passa disso mesmo, olhar para dentro. E ver e rever os sorrisos que já soltei e as lágrimas que enxuguei no caminho até aqui. E continuar a caminhar.

Sou-o tanto que de tanto ser, nada sou. Arrebatador, vem mais um dia em que desejo ordinariamente uma vida diferente. (Sou louca, certamente). Anseio viver a liberdade intolerante de agir de novo a cada segundo, inconsciente e consciente disso. Quero poder e ter e vencer o mundo haja o que houver. Rogo pela minha alienação e por ter o meu ser de volta, por rir alucinada e perpetuar cada instante de destempero até ser desapaixonada ao ponto de te usar e te consumir e te deixar cair por terra, moribundo e sôfrego de mim. Sou, agora fria, lobo ferido. Fito gélida com olhos de chama tudo que ameace (que ouse sequer transpor até ao meu tom adocicado). Ávida de soltar as garras sedentas de gozo e de gosto desejava não ter limites e ter de moral só a imoralidade. Buscar incessantemente a fortuna de te ter e de não ter coisa nenhuma, de ser contradição de mim e feliz de o ser no conforto de ser amada e odiada, vil e libertina. Desamarrar um grito de prazer por ter de meu mais que aquilo que reclamo e por ser vã sem me desprezar. Ousar o momento por ser segura de que não faz parte de mim e ser e crer e querer uma satisfação raivosa. Oxalá esta frieza não fosse doçura.

Um nada de ti



Identifico os primeiros acordes dessa melodia que me sussurravas nos momentos em que um muito não era afinal mais que um nada de ti. Trespassa-me, inconsciente, uma nostalgia que me faz querer-te de novo, que apaga todas as palavras ditas e as que ficaram por dizer e me traz, nítida, a memória do teu enlaço. Esse instante cessou e, de volta, acho a mágoa que (ainda) nos une. Chegaste tão efusivamente quanto partiste e deixaste latente a paixão que, sem limite e sem razão, abraçámos nesses tórridos dias em que a tua voz era a banda sonora dos meus devaneios e eu caminhava sem temer o logo, o depois e o amanhã. A tua segurança conquistava o meu render e o meu respirar sossegava o teu anseio. Quando os teus braços encontravam o meu corpo e os olhares sorriam cúmplices, os nossos lábios,unos, exultavam e a minha presença era para ti uma dádiva.

A paixão cessou quando cessou o sol. Só achamos certezas quando encontramos dúvidas.

É amor (e isso basta-nos)


Veio o dia que rasgou os ténues sonhos da adolescente que eras. Hoje, a mulher que és não mais voltou a sonhar. Choro contigo e choro por ti, partilho essa dor que guardas sem verdadeiramente a conhecer. Rio contigo e mais sorrio quando é por ti. Cada passo que dou por mim, dou-o com a firmeza de ter sido outrora meio construído por ti. Estou onde estou, e foste tu que me patrocinaste com essa imagem de mulher que um dia quero ser. Passam os dias nas nossas vidas e o teu jovem rosto cansado dilacera-me e sinto-me egoísta. Dava-te o mundo se pudesse, e isso nada seria. Dei-te apenas um beijo esta manhã, como faço em todas as outras, mas hoje não evitei demorar-me num abraço apertado. Por favor, nunca vás.


Indescrítivel foi o amor que construímos juntas. Eu tenho-te a ti, tu tens-me a mim. Isso basta-nos.

Olha-me nos olhos



Prendes o olhar no horizonte enquanto falas comigo, não desisto, continuo a procurar-te, a fixar o teu olhar. Insistes em me evitar, porque? Porque temes? Temos uma conversa agradável e nova. Abdicámos dos jogos de palavras, dos vocábulos ambíguos e das posturas encenadas de outrora. Já passou algum tempo desde esse árido tempo e silenciosamente estranhamo-nos. Estás agora tu, sentado, direito e firme como se te concentrasses a varrer o horizonte com os teus olhos semi-cerrados do sol enquanto os teus braços fortes descansam no colo. Eu estou a teu lado, confortavelmente sentada sobre a minha perna, as minhas mãos sossegam e o meu tronco acompanha o olhar e decai ligeiramente na tua direcção, num esforço suplicativo para te compreender. Dás-me tanto tempo de espera às tuas palavras que me dás tempo para te dissecar. Estás confuso com a nossa frontalidade, sinto-o. Desvias os teus olhos dos meus para evitares constatá-lo e para que eu não perceba que te sentes inseguro a revelar-te realmente a mim, diferente de como eras antes... Sorrio, amolecida pelo meu pensamento, e ainda fixa em ti. Olhas-me momentaneamente para acrescentares algo, mas arrependes-te e sorris quando te pergunto. Baixas agora o olhar, ambos sabemos o que queres dizer-me. Consenti com o olhar, evitando o teu pesar.

Deixa-me sonhar

Deixa, deixa-me viver assim, por favor. Deixa-me achar que nada é impossivel, deixa-me acreditar que a vida não passa em vão e as pessoas não traem, que a felicidade não é ilusão e a desilusão não é real. Não digas que não sou capaz, não digas que não aguento, não me peças nunca para não sonhar nem ouses sequer algum dia me travar. Por favor. Deixa-me chorar quando sentir o sonho desvanecer, mas não digas que cessou...

E tive necessidade. Tive necessidade de calma, de inspiração. Corri à costa, corri a ver o mar. Tive também saudade e escolhi aquela praia quase deserta que outrora patrocinava os meus verões. Havia nuvens, havia nevoeiro e uma brisa que desassossegava mas, hum, aquele imenso azul de força e aquele aroma de sal despertavam em mim o desejo de o habitar, para sempre longe do mundo.

Cheguei e duvidei. Não era de todo aquele local que eu ansiava revisitar. O mar revoltava-se agora sem piedade na areia, os rochedos emergiam raros num fôlego do mar, não sobravam nem dez metros dos tantos em que vaguei vezes sem conta, o vento levou as dunas desamparadas... Restavam, largadas ao acaso, as redes rotas de um pescador e todas as imagens antigas que já não reconheci ali. Desci o olhar, quase incrédula. Que fizemos nós ao nosso mundo, à nossa casa?

Lacrimejavam agora umas doces gotas de chuva, voltei costas, mortificada.

Basta


Cansei. Cansei de todo este sufoco que teima em perseguir-me. Não sou mais que o mais comum dos mortais. Quero respirar, quero poder inspirar profundamente, num silêncio rejuvenescedor e numa calma divina e expirar com a convicção de quem liberta de si o mais ávido dos fardos.
Estou tão perto e tão longe daquela maçã do alto, daquela tão igual às outras mas tão especial para mim. Quero chegar-lhe. Estico a mão aberta, cansada de dar, pobre de gratidão, desejosa de a alcançar, insisto... Inacessível, apetecível. Vergam-me os ombros, tapam-me os olhos, esbofeteiam-me, subjugam-me... mas não me derrotam. A maçã será minha.
Já tenho força, já tenho ar.